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escrevo a dor e o prazer de viver vivo para escapar da morte morro e acordo cada vez mais forte

domingo, 14 de junho de 2009

O sol, a chuva e o plástico voador

Queridos e queridas,

O sol voltou a me visitar hoje, mas parece que amanhã vai embora cedo, sorrateiramente. Isto porque a chuva deve voltar, e eu não sei porque, mas eles não se conversam. Eu gosto das duas visitas. Primeiro, porque são muito mais do que visitas, são da casa, são indispensáveis. Claro que há visitas indesejáveis, daquelas que se deveria colocar uma vassoura atrás da porta para irem embora logo. Refiro-me ao vento, e ao temporal. Não gosto mesmo. Eu tenho dois que não são e nunca foram visitantes, são meus guarda-costas. Tem residência fixa comigo. Onde quer que eu vá, eles vão junto. O tempo e o ar. Confesso que houve alguns momentos, lampejos de desespero e loucura, nos quais pensei em dispensar os seus serviços. Até porque não pago por eles. Pago iptu, serviços de luz, água, telefonia, internet, tv a cabo, ai, ai, e por aí vai. Mas o tempo e o ar ficam juntos, discretíssimos. Um dia, quando eu menos esperar, eles passarão, e eu passarinho, parafraseando Quintana.
Eu adoro visitas. Quando as recebo, procuro tratá-las da melhor forma, recebê-las com carinho, com afeto. Porque sozinhos não somos ninguém. Por isso, quando o raio de sol vai entrando nos meus poros e aquecendo a minha pele, e quando os pingos de chuva vão chegando para eu ter um sono com direito a uma trilha sonora original, eu me dou conta de que temos em volta de nós verdadeiros amigos, aqueles que generosamente se fazem presentes, mesmo quando não damos por conta a presença deles. Aqueles que nos fazem bem, e tantas vezes só percebemos quando eles deixam de aparecer.
O que seria de nossa vida sem o sol, a água, a lua, as estrelas, as nuvens? Sem o arco-íris, uma visita tão especial... Provavelmente muitos se dariam conta somente se todos fossem embora, todos, levados pelo vento forte, inundados por um furioso temporal.

Hoje eu estava caminhando na beira do Guaíba. Como é domingo, e como tinha sol, centenas de pessoas disputavam espaços no calçadão para namorar, tomar chimarrão, passear com a família, com os cães de estimação. Eu olhava para todos, olhava para ninguém. Pensava em quantos ali se davam conta de que esse santuário natural não é um cartão postal para um "momento kodak", como aquela tirada sarcástica no filme Beleza Americana, no qual um casal em franca derrocada troca os pés pelas mãos e a hipócrita aparência some pelo ralo da verdade.

A verdade que eu via hoje no anônimo vendedor de algodão doce. Fui, voltei, e lá estava o homem carregando um monte de algodão doce. Por um momento, tive vontade de estar no lugar dele, ou de pegar os algodões dele e caminhar assim, para aparentar ter um sentido no que eu estava fazendo. Eu estava caminhando, mas me sentia como um cão que dá volta para tentar alcançar o próprio rabo.
O britânico Sam Mendes estreou no cinema com American Beauty, em 1999, apesar de ter grande experiência no teatro. O filme ganhou cinco Oscars e três Globos de Ouro. E nós ganhamos o trabalho de um cineasta que tem a sensibilidade e a argúcia de filmar o vazio, transpor para imagens conflitos existenciais que tantas vezes são retratados de forma caricata, ou clichê, ou superficial. Uma das cenas que eu mais gosto:Era apenas um saco plástico. Um saco plástico voando, e com ele voava a liberdade.

Eu pegaria aquele monte de algodão doce, e soltaria tudo, como balões, livres, leves e soltos.

Voem!

Um comentário:

  1. Adoro esse filme! Ele mostra o vazio de uma sociedade superficial e hipócrita de forma crua, mas ao mesm tempo poética.

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