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escrevo a dor e o prazer de viver vivo para escapar da morte morro e acordo cada vez mais forte

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Marley e eu e o rottweiler

Queridos e queridas,

A cena em que o fabuloso ator Gregory Peck foge de um cemitério, sob a perseguição de cães rottweiler, é uma seqüência de tirar o fôlego. Conseguirá ele escapar ileso? Mesmo que sim, no filme A Profecia (1976, direção de Richard Donner), o cão rottweiler é a encarnação do demônio, que protege fielmente (como todo cão protege seu dono), no caso, um menino tão lindo quanto maligno - o AntiCristo. O menino cresceu, e a profecia foi se concretizando ao longo do primeiro, do segundo, do terceiro filme. Um quarto, feito para a televisão, e uma refilmagem.
Acho o rottweiler um cão tão bonito quanto intimidador. Perfeito para o papel no filme. Se o demônio fosse feio, não seria tentador... Bem, mas o fato é que bonito e querido e amigo de todos é, por exemplo, o cão labrador. Como o protagonista do filme Marley e Eu, comédia de 2008 dirigida por David Frankel, com base no livro de John Grogan. Eu não vi o filme porque eu não gosto de chorar por antecipação. Esse filme consta como comédia, mas é daquelas comédias que fazem tanto rir como chorar. Porque o protagonista é o melhor amigo do homem, é verdadeiro, é fiel, leal, é capaz de fazer tudo por aquele a quem ama, respeita, confia.
Hoje pela manhã, caminhando sob o sol que não é de Toscana, vi um lindo, robusto, massudo e classudo rottweiler caminhando sob o mesmo sol que não é de Toscana. Ele assustava as pessoas e seus cãezinhos. Ele intimidava os pastores trancafiados nos jardins, e ele não estava nem aí. Contemplava a areia, o Guaíba, parecia estar em férias. Perdido? Certamente. Ou quem sabe, estava ele lá como eu, a procura de respostas, de novos caminhos...

Liguei para o 190. Não podia deixar aquele imenso cão, com fama de guardião do AntiCristo, que só fica famoso nos jornais quando mata alguém, quase sempre crianças. Não queria que ele fosse sumariamente julgado e executado por ser quem é, um cão rottweiler. Mas também não queria pagar para ver se ele era mesmo aquela doçura cheia de baba que estava a passeio. Me disseram que viria uma viatura, que não vinha nunca. Eu passei a monitorá-lo, à distância, afinal, seguro morreu de velho. Mas cada vez mais eu era tomada por uma vontade de tentar me aproximar dele, ele estava com aquele jeito de não estou nem aí, que era irresistível chegar perto e puxar uma conversa, do tipo, já nos conhecemos de algum lugar? ah, claro, foi tu que interpretou o cão na refilmagem de A Profecia... e por aí vai.
Pessoas passavam por ele, uma teve uma ataque histérico, outros se assustavam e depois que passavam voltavam para os seus mundinhos pessoais. E ele que seguisse o seu caminho. Se machucasse, que fosse o próximo... Eu não sei se estava mais perplexa com a atitude não-estou-nem-aí do Rott, ou com a indiferença dos "humanos". Por que as pessoas só se preocupam quando um fato se consuma em uma tragédia, quando um ato se transforma em um fato que sai na crônica policial: Ah, a polícia. Ainda nada de viatura. Dois agentes da EPTC passaram por ali, de moto, falei com eles, que foram legais, simpáticos, e não fizeram nada. Não era da competência deles. Um grupo de velhinhos que tomava sol quase caiu duro coletivamente quando o Rott se aproximou. Não se mexam!, alguém gritou, que ele vai embora. E ele foi. Confesso que a cena do cemitério de A Profecia voltou à minha cabeça. Nossa, como eu sou maligna... desculpem, não consegui evitar. O que, àquela altura do campeonato, aquele imenso, massudo, robusto e classudo animal faria de mal? Ele só queria pegar um sol naquele corpão preto reluzente e impecável.
Uma moça que passeava com seu cãozinho foi solidária e, juntas, levamos ele até uma esquina, onde ela ficou com ele, e eu fui até o posto da Polícia Militar. Na verdade, a gente poderia ter levado o Rott lá, para ele se apresentar por livre e espontânea vontade, talvez fugir de um flagrante, essas coisas... Mas eu queria uma explicação. Quando e se chegaria a tal viatura? E se o Rott tivesse machucado alguém, daí chegaria? Alguém pelo amor de deus me dê uma explicação.

Dois policiais, uma viatura. E a explicação: não era da competência deles. Há uma equipe responsável, que iria providenciar, antigamente era do BOE, mas não é mais, e a gente, cidadão comum, que vá reclamar para o papa. Se for recolher um cavalo, é com um, o cachorro, é com outro, e assim vai. O fato é: se o Rott não fosse o AntiCristo mais camarada que eu já conheci, e tivesse consumado uma tragédia em uma manhã de sol em um lugar que não é Toscana, quem seria responsabilizado por isso? Além do Rott, evidentemente.

Resumo do resumo da ópera: a moça levou o Rott no carro dela, para a casa dela, e se não fossem lá recolhê-lo, ela providenciaria uma adoção. Soube em novo contato telefônico, com o policial que há pelo menos 30 minutos antes iria providenciar a ida de uma viatura, que à tarde iriam buscá-lo. Não sei se foram. A vida continua. Confesso que quando Rott partiu, senti um aperto estranho. Como no filme do Marley, aquele que eu não quis ver.
Porque Rott confiou em mim, não me fez mal algum, nem a ninguém, estava possivelmente perdido, era dócil, gente boa. E eu não fiquei com ele. Eu não poderia. Não estou conseguindo dar conta nem de mim. Mas graças a gente boa como essa moça que eu nem conhecia, eu sei que ele ficará bem. E graças a um poder público completamente burocratizado e negligente, que funciona muito mais pela vontade pessoal de seus funcionários, é que situações assim acontecem. Tragédias são evitadas. Outras poderiam ser, e infelizmente, não são. E isso não é uma profecia.
Sejam solidários!

3 comentários:

  1. Hehehehehehe, vai ver, era o Celso Roth, fantasiado de cão rott, pra ver qual é que era...

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  2. ola, tenho uma amiga canina rottweiler que é um verdadeiro anjo de quatro patas não consigo sequer imagina-la sozinha pelas ruas ou sendo maltratada por alguem, espero de coração que um humano de bom coração possa a vir a adota-lo e de a este cão todo amor, carinho e segurança que em troca ele retribuirá em dobro com certeza.abraço.

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  3. Giancarla Brunetto...otimo texto...adorei....infezmente esta é a realidade de muitos rottweilers e ouros cães taxados como assassinos. Seu texto estaa na comunidade eu amo meu rottweiler para que sirva de exemplo a muitos. tenho uma rottweiler de 10 anos ela é uma cadela terapeuta, isso mesmo ajuda na recuperaçãod e crianças portadoras de deficiencia desde os 9 meses....
    veja: http://www.youtube.com/watch?v=20igW00umRc

    mais uma vez parabéns adorei o texto...

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