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escrevo a dor e o prazer de viver vivo para escapar da morte morro e acordo cada vez mais forte

terça-feira, 21 de julho de 2009

Um mundo estranho

Queridos e queridas,
Hoje você acordou, como acorda todos os dias, menos aqueles nos quais você não dormiu.
Hoje você se alimentou, como se alimenta todos os dias, a não ser que esteja em greve de fome ou seja aspirante a top model.
Hoje você foi fazer algo de sua vida.
Como faz todos os dias, mesmo quando não faz nada, ou pensa que não fez nada de útil.

É incrível como podemos ser tão semelhantes, e ao mesmo tempo tão diferentes. Somos amigos de nossos amigos e com relação às pessoas que não conhecemos, não trocamos um cumprimento.
Mas se estivéssemos presos no mesmo elevador, ou fôssemos feitos reféns dentro de uma agência bancária, ou se ainda fôssemos sobreviventes de uma tragédia, subitamente seríamos solidários,e lembraríamos dessas pessoas pelo resto de nossa vidas.
Donde concluo que o que nos une não é o amor, mas a falta de. Não é a solidariedade, mas a falta de. Explico.

Um artigo publicado este mês no Jornal Science afirma que nosso cérebro, social e sensitivo, é igualmente impulsivo. Até aí nada de novo. Não fosse o fato de que, para esses pesquisadores, as ações impulsivas são as que realmente nos humanizam, nos mostram como realmente somos. O pensamento que nos freia é o mesmo que nos empurra. Darwin e Freud já haviam mostrado a função do inconsciente nas ações humanas. A vontade consciente é uma, e a inconsciente é outra. Nossa vida é o resultado da soma ou da subtração de nossa vontades contrárias, de nossos desejos reprimidos para convivermos em uma sociedade, ou de compulsões e fantasias liberadas que nos transformam em outsiders.
O que me chamou muito atenção nesta pesquisa, é que segundo os cientistas, um cérebro adulto dispende a mesma energia ao agir ou ao inibir a ação, a realizar ou a ignorar os instintos,
desejos e fantasias mais profundas.
Então, algumas conclusões: quanto mais você diz que ama seu marido, menos você ama. Quanto mais você diz que está com o homem mais lindo do planeta, menos lindo você pensa que ele é. É que você quer convencer a si mesmo daquilo que no fundo não acredita.
E, por outro lado, se você reprime o desejo, você deseja mais.

Parece complicado, mas não é. Parece contraditório, mas não é. Pensar e desejar a mesma coisa é possível. Mas é uma possibilidade remota diante de milhares de outras possibilidades nas quais o cérebro quer uma coisa, e se reprime, para fazer outra.
Agora, me diga, confesse: é ou não é assim na grande maioria das vezes?

Alguns exemplos: Você já desejou algo que não é seu? Algo que não possui? Algo que não pode ter? Você já desejou alguém que não fosse o/a seu/sua parceiro/a? Você já desejou mudar radicalmente seu cabelo, seu modo de vida, seu mundinho particular? Você já desejou não ter desejado ter filhos? Você já desejou não ter pecado,
ou já desejou ter pecado muito sem que fosse considerado pecado?

Você é o que você pensa que é, e o que você ainda não sabe que é. Um estranho no ninho.

Como Randle McMurphy, o protagonista do oscarizado filme Um Estranho no Ninho (1975), com direção de Milos Forman e Jack Nicholson em mais uma brilhante intepretação. Nicholson/McMurphy finge ser louco para sair da prisão e cumprir pena no manicômio. O que ele não imagina é que esse local é um sistema repressor, castrador e violento, sob um manto de ordem, disciplina e justiça. Alguma semelhança com a vida real não é mera coincidência.

Viver é sobreviver em sistemas especializados. O grande desafio para a nossa saúde mental e emocional é pensar e desejar o que realmente queremos, sob pena de estarmos presos em padrões, sistemas, aparências, que podem até aparentar um verniz de felicidade e sucesso. Mas que no íntimo é apenas fonte de melancolia e insatisfação. Quanto mais evitamos desejar o que desejamos, mais ele fica ali, retido, guardado, guardado. Mas, assim como no filme e na vida real, quem resolve abrir suas portas e janelas da alma acaba se dando mal. O ninho continua a acolher o estranho nas panes em elevadores, nos seqüestros em bancos, e nos resgates de tragédias.
Que mundo estranho, esse.
Fiquem bem.

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