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escrevo a dor e o prazer de viver vivo para escapar da morte morro e acordo cada vez mais forte

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

O resgate do detetive Ryan

Queridos e queridas,

Não, eu não fiz um trocadilho a respeito do filme O resgate do soldado Ryan, de Steven Spielberg. Estou me referindo ao detetive Ryan, personagem de Crash - no limite (2004). O filme, ganhador de 03 Oscars, é de autoria de Paul Haggis, o roteirista do também oscarizado Menina de Ouro. É um dos meus filmes de cabeceira, embora eu não o veja com muita frequência. Por que? Porque Crash é um soco no estômago.

Quando Crash foi exibido pela primeira vezaqui em Porto Alegre, antes de concorrer ao Oscar, não teve grande divulgação nem grande público. Passou batido, como dizem por aí. Eu vi o filme e fiquei impressionada pela forma como Paul Haggis conseguiu, ao longo de duas horas, mostrar várias histórias tão distintas e tão próximas umas das outras, e todas tratando de temas extremamente importantes e delicados, como o preconceito racial, a xenofobia, a discriminação contra imigrantes.
São histórias que se ligam, em uma montagem excepcional, através de um roteiro sensível e uma direção segura, com atuações perfeitas. O filme vai passando, e a gente vai se dando conta de que em algum momento poderíamos nós estarmos ali, na tela, no lugar de algum daqueles personagens, como testemunhos ou na berlinda de algumas daquelas histórias, porque somos brasileiros, latino-americanos, brancos, pardos, indígenas, negros, misturados, excluídos, discriminados, ou porque somos brancos, capitalistas, dominadores, discriminadores, preconceituosos, excluímos, reprimimos. Em algum momento estamos em conflito, em choque, em uma colisão - seja com os outros, seja com nós mesmos, seja pelos outros, e por nós mesmos.

Quem de nós já não vivenciou ou testemunhou alguma situação de racismo? De injustiças cometidas contra alguém por esse alguém ser, por exemplo, pobre, negro, índio, velho, sem-teto, deficiente mental ou físico? Os personagens de Crash estão em Los Angeles, mas poderiam estar em qualquer lugar: tem a branca rica e esposa de um político branco, dois assaltantes negros, um detetive negro e sua namorada, uma policial mexicana, um diretor de tv negro e sua mulher negra, um iraniano dono de uma loja, um casal coreano, um chaveiro mexicano. E tem um veterano policial branco e preconceituoso, seu nome é Ryan. Interpretado por um impecável Matt Dillon, Ryan é, para mim, o que simboliza a história central de Crash. A vulnerabilidade do ser humano. Ryan é no começo do filme um policial truculento, capaz de cometer abusos com base em sua autoridade e farda, ao abordar um casal negro em seu carro, à noite. Ryan não se importa em humilhar a mulher, diante de seu marido. Ryan descarrega ali, naqueles minutos, seu ódio, seu poder, suas frustrações. Ryan é um homem amargo, que cuida de seu pai, que está muito doente. E Ryan também está doente, por ser um policial que já viu de tudo e se deixou contaminar pelo que viu. Não acredita no ser humano, não acredita em valores, não acredita.

Por uma ironia do destino, é Ryan quem resgata a mesma mulher negra que molestou, em um grave acidente de carro. Ele literalmente salva a sua vida, e se aterroriza quando percebe o mal que fez aquela mulher. Ele também, por um momento, resgata a si mesmo. Percebe a atitude sem sentido que cometeu. Ryan é um homem indigno de si mesmo, pelo que deixou fazer de si. É possível voltar atrás? É possível ser diferente? É possível mudar?
Ryan, e outros personagens destas colisões que vão se fechando em um grande círculo existencial, passam por situações em que precisam ver para onde vão, e de que modo vão afetar a vida dos outros. Às vezes fazemos coisas que vão afetar sensivelmente a vida de pessoas que não ou mal conhecemos. Negar ajuda a quem precisa, por exemplo, pode ser fatal. Abraçar alguém que mal conhecemos, em um momento extremo na vida dessa pessoa, pode ser fundamental. Crash mostra isso: precisamos nos dar conta do que fazemos, ou deixamos de fazer, por causa de pensamentos ou gestos estúpidos calcados em racismos e preconceitos. É possível nos resgatarmos?Ou a colisão será inevitável...
Bom fim de semana!

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